quarta-feira, 23 de julho de 2008

mãe

A tarde era reflectida pelos vidros das janelas: os olhos da minha mãe reflectiam a imagem esbatida dos vidros das janelas. Ninguém pode saber o que pensava, mas havia anos inteiros dentro dela, risos irrepetíveis e silêncios irrepetíveis. Nessas tardes, a minha mãe acreditava que, um único instante, tudo pode transformar-se em nada. Acreditava no silêncio.

Nesse instante, pareceu-me que a sua voz tinha imagens de outro tempo. Ela a escolher palavras e silêncios para consolar-me. E eu a conseguir mesmo encontrar conforto nessa voz, a fechar os olhos para ouvi-la. Eu tentava viver. Ao deitar-me, ao esperar por adormecer, a voz dela era o mundo calmo onde me esquecia de tudo o resto.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

sombras

Os sons puros: nítidos no silêncio: desenhados no ar, breves, a ecoarem na memória e a deixarem outro silêncio: outro silêncio: outro silêncio diferente.
Não fui capaz de lhe dizer nada porque, dentro de mim, tinha um remoinho infinito de música infinita.
A sua voz é muito baixa: como se fosse desfazer-se em pó. Foi com essa voz que lhe disse que estava bem. Depois do silêncio, despedimo-nos.
Naquele instante, estávamos felizes. Antes, tivemos gestos que nos levaram àquele instante, depois tivemos gestos que nos tiraram daquele instante; mas naquele instante estávamos felizes.

O castigo que escolhi para mim próprio é saber aquilo que aconteceu a seguir...

Os meus pés caminhavam no passeio, os meus movimentos contornavam pessoas que se paravam a minha frente ou que vinham na minha direcção, mas, dentro de mim, havia uma sombra que contornava ainda mais obstáculos, que caminhava ainda mais depressa.
À distância, o seu rosto não tinha resposta. E os seu pés caminhavam no passeio. E, ao contornar o medo, contornava a esperança.

O sol deslizou pela superficie de cascas de pinheiro no chão do pátio envolvendo-me a pele. Dentro de mim, fui infinito. Julho voltou a nascer dentro de mim. O sol expulsou todas as sombras e trouxe apenas brilho.
Durante todas as noites deste verão, as estrelas são líquidas no céu. Quando eu as olho, são pontos líquidos de brilho no céu.
Somos outra vez tudo: ainda acreditamos. O tempo não passou. Os dias voltaram a ser a superficie sobre a qual sonhamos. As tardes.

quarta-feira, 9 de julho de 2008